sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O medo tornado hábito

Hoje escrevo porque não posso sair de casa: é sexta-feira, dia de protestos em Hebron, no sul da Palestina, e o exército fechou a rua que dá acesso ao lugar onde estou a trabalhar e a viver. Enquanto escrevo, ouço lá fora o barulho de explosões e ambulâncias, e vejo nuvens de gás lacrimogéneo. Na semana passada, fiquei presa do outro lado, sem poder voltar a casa porque a minha rua se tinha tornado num campo de batalha. Fiquei no lado dos manifestantes, a ver rapazes adolescentes a atirar pedras.  

Nos últimos meses, os protestos de sexta-feira fazem parte da rotina dos habitantes de Hebron. De um lado, rapazes com keffiyeh ao pescoço atiram pedras e cocktails molotov, do outro, soldados israelitas atiram gás lacrimogéneo, bombas atordoadoras e balas de borracha. 


Granada de gás no chão da cidade antiga

Tinha acabado de chegar a Hebron quando me disseram que uma mulher de 73 anos tinha sido morta por militares no dia anterior, junto ao lugar onde ia viver. Na minha primeira semana de trabalho, um hospital no centro da cidade foi invadido por militares (um deles disfarçado de mulher grávida) que prenderam um paciente e mataram um dos seus familiares; dois colonos israelitas foram mortos por um palestiniano que disparou sobre um carro onde viajava uma família, e vários rapazes foram mortos ou ficaram gravemente feridos em confrontos com o exército. 


Grades, pedras e arame farpado fazem parte da paisagem
Aos poucos fui-me acostumando às notícias de morte, aos soldados armados nas ruas e ao clima de revolta e tensão. Fui-me acostumando à presença constante de armas no centro histórico, aos checkpoints, às pedras e granadas de gás lacrimogéneo espalhadas pelo chão. Mas na verdade, não sei como se pode viver diariamente no meio disto. Quando é que o medo e a morte se tornam hábito?

Hebron habitou-se à violência. É daqui que vêm grande parte dos agressores que têm aterrorizado israelitas nos últimos meses com esfaqueamentos nas ruas de Tel Aviv, Jerusalém e em colonatos. É aqui que palestinianos são abatidos por militares, no que várias organizações de direitos humanos consideraram um uso "intencional de força letal sem justificação". É aqui que, de cada lado, se celebram as mortes do inimigo. É aqui que cada lado se desumaniza, e que as vidas que são perdidas deixam de ser vistas como vidas humanas, para passarem a ser artilharia. 

Mas pequenos actos de resistência pacífica e palavras de tolerância ainda carregam esperança. Apesar de pensarem que eu era israelita, vários palestinianos receberam-me com "shalom" nas ruas principais de Hebron. Não acredito (ou não quero acreditar) que as pessoas estão cheias de ódio. Não estas pessoas, que vou conhecendo em deambulações pela cidade, que me convidam para tomar chá, que me sorriem, que abrem as portas das suas casas e me recebem de braços abertos. 


Numa padaria em Jaffa: "judeus e árabes recusam-se a ser inimigos"

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