quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Hebron: "a cidade mais triste da Cisjordânia"

"Hebron é a cidade mais triste da Cisjordânia", diz Leila, enquanto bebemos chá na sua loja no centro histórico da cidade, no sul da Palestina.  A sua irmã Nawal criou o projecto Women in Hebron, uma cooperativa de mulheres que produzem peças bordadas tradicionais. "A nossa mãe ensinou-nos a bordar, é muito importante na tradição palestiniana", diz.

Leila, na sua loja no centro histórico de Hebron
Nawal começou por vender algumas peças que tinha bordado em 2005, em frente à mesquita de Ibrahim, no Túmulo dos Patriarcas, o mais importante monumento da cidade. As tensões em Hebron estão centradas neste monumento, que é sagrado tanto para muçulmanos como para judeus.

Em 2005, a situação económica nos territórios palestinianos era preocupante. Nawal começou por vender os seus bordados na rua, até lhe oferecerem um espaço no mercado antigo de Hebron, esvaziado devido às tensões na cidade. O negócio de Nawal foi crescendo, e a sua irmã tomou conta da loja, a única gerida por mulheres no mercado antigo. Outras mulheres de Hebron e aldeias vizinhas juntaram-se à associação, produzindo vestidos, carteiras e bolsas bordadas à mão. Hoje, são cerca de 150 as mulheres que fazem parte da cooperativa. 

Vestidos bordados à mão, alguns levam meses a ser feitos
"Vendemos peças feitas à mão para ajudar as famílias que vivem em Hebron", diz Leila. Mas as tensões na cidade antiga, esvaziada do movimento que outrora tinha, dificultam o negócio. "Vendemos online mas ainda não é suficiente", lamenta. No entanto, a falta de negócio não a preocupa tanto como a falta de segurança que sente diariamente. 

"Temos sempre medo", diz. Medo pelos filhos, medo dos soldados e dos colonos. "Quando os colonos vêm em visitas atiram-nos com coisas, cospem nas nossas caras, partem e destroem propriedade. Vêm com soldados para os proteger, mas ninguém protege os palestinianos. Se as nossas crianças fizerem alguma coisa são presas, mas às crianças dos colonos nunca acontece nada", desabafa. 

Na rua do mercado antigo, uma rede protege os palestinianos dos colonos que vivem nas casas em cima. Pedras, fraldas sujas, garrafas e sacos de lixo são atiradas pelos colonos, e vão-se acumulando na rede que separa os dois mundos: em baixo, o mercado colorido que vende keffiyeh, lenços e bordados palestinianos. Em cima, grandes bandeiras de Israel e soldados armados, de metralhadora em riste. Uma rede de separação, e um testemunho da humilhação diária sofrida pelos residentes e comerciantes na cidade antiga. 

Lenços palestinianos à venda no mercado e a rede com lixo
Hebron é uma cidade disputada. É considerada a segunda cidade mais sagrada para os judeus, por conter os túmulos dos patriarcas do judaísmo, mas é simultaneamente uma das cidades com a maior população palestiniana, e um centro de comércio e indústria na Cisjordânia. 

Nas últimas décadas a cidade tem sido ocupada por um número crescente de colonos israelitas que se instalam na cidade por razões religiosas. Em 1994, Baruch Goldenstein, um extremista judeu, entrou na mesquita do Túmulo dos Patriarcas armado e começou a disparar sobre os crentes que rezavam: 29 muçulmanos foram mortos, e centenas ficaram feridos. Depois do massacre, a mesquita foi dividida em duas partes, uma para os muçulmanos e outra para judeus, e as divisões e rivalidades foram acentuadas. 

Colonos israelitas alegam o seu direito de viver na cidade, mencionando uma presença judaica histórica na cidade. No início do século XX, Hebron tinha uma significativa população judaica, mas tensões entre árabes e judeus em 1929 levaram a um massacre na cidade: 67 judeus foram mortos depois de um incitamento à violência. 

Centenas de judeus foram protegidos pelos vizinhos (estima-se que mais de 400 foram salvos por famílias árabes que os esconderam nas suas casas), mas toda população judaica na cidade foi evacuada. Só após 1967 Hebron voltou a ser ocupada por judeus. Na sua maioria, colonos que se mudam para a cidade por razões religiosas. Divida em duas zonas (H1 de controlo palestiniano e  H2 de controlo israelita), na cidade centenas de colonos são protegidos pelo militares, e checkpoints espalham-se pelo centro histórico. 

"This is Palestine" mensagem apagada na parede
Organizações de direitos humanos reportam constantemente: por um lado as intimidações e agressões de colonos e soldados israelitas, por outro os ataques de palestinianos contra colonos. Entre elas, a organização israelita B'tselem, a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch

Conheci duas americanas voluntárias na organização Christian Peacemaker Teams. que me falaram do trabalho diário como observadoras internacionais. Acompanham crianças à escola para certificarem-se que não são atacadas por colonos ou soldados (o que é demasiado frequente), e dão apoio a famílias residentes no cento histórico.

"Não podemos parar as demolições de casas ou a violência, mas podemos certificar-nos que tudo isso é documentado", dizem. "O nosso trabalho pode não impedir a violência, mas pelo menos os palestinianos não estão sozinhos, e isso é muito importante", acrescentam.

Jamal nasceu no centro histórico de Hebron, onde viveu toda a sua vida. Leva-me até ao telhado de sua casa para me mostrar a vista, e os colonatos que se vão espalhando em redor. Diz-me que há uns dias, os soldados estavam a ensinar jovens colonos a usar armas num telhado próximo do seu. Diz-me que sofre quase todas as semanas com os efeitos do gás lacrimogéneo que é lançado, e com a insegurança e a tensão que se vive diariamente no bairro.

A vista do telhado de Jamal
"A minha vida está aqui. Não é uma vida boa, segura ou tranquila. Na verdade, é muito difícil, mas tenho tudo aqui e não tenho outro sítio para onde ir", diz Jamal. 

O rosto de Leila está marcado por apreensão enquando fala das suas lutas diárias. Nos últimos meses, o acentuar da violência esvaziou o mercado antigo, porque os visitantes têm medo de lá ir. "Há dias em que só consigo fazer 20 shekels (cerca de 4 euros)", diz. Mas a sua cooperativa é uma forma de resistência: com agulhas, ponto a ponto, luta para preservar a tradição palestiniana.

Carteiras à venda na cooperativa

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