terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Como pintar a Tunísia

“Como é que chegaste aqui?” pergunta-me admirado Faouzi, funcionário num hotel em Tozeur, uma pequena cidade-oásis no sul da Tunísia. Cheguei depois de ter visto o pôr-do-sol a encher o deserto de cor, e depois de percorridas as longas estradas que ligam a capital ao sul, levando-me de um norte-litoral desenvolvido a um sul marginalizado e esquecido. 



Sou a única estrangeira no hotel, e a minha presença levanta curiosidade. “Os turistas ocidentais já não vêm”, explica Faouzi. Antes vinham porque Tozeur, um oásis onde palmeirais convivem com arquitectura antiga, foi cenário de filmes de Hollywood (de Star Wars ao Paciente Inglês) e é uma das principais cidades históricas no deserto. “Agora os turistas têm medo”, diz Faouzi.

Os ataques terroristas no museu nacional Bardo e num resort em Sousse foram duros golpes no turismo, que constituía um dos principais sectores da economia tunisina. Faouzi não esconde o ressentimento: "a Europa teve mais ataques. Em Paris, Bruxelas, Berlim..." diz, mas os turistas não deixam de ir a França, ou à Alemanha, ou à Bélgica. Então, porquê deixar de ir à Tunísia?





Encolhemos os dois os ombros. Faouzi traz café e empresta-me uma bicicleta. No mapa aponta as melhores estradas pela floresta de palmeiras, o centro da antiga medina com arquitectura de argila a formar padrões geométricos, o mercado que diz ter as melhores tâmaras da Tunísia. E enquanto eu pedalo entre as palmeiras, a partilhar a estrada com camelos e carroças de cavalos, ou paro para beber um chá com amêndoas, pergunto-me realmente porquê. Que imagens moldam a Tunísia para ser vista como um lugar perigoso?



As imagens do museu Bardo, com a sua famosa colecção de mosaicos romanos, com sangue no chão e autocarros turísticos cravados de balas, ou os corpos cobertos com toalhas, dispersos pela praia do resort em Sousse. Vinte e duas pessoas, morreram no ataque ao museu Bardo em Março de 2015, e outras trinta e nove no ataque ao hotel de luxo em Sousse em Junho do mesmo ano.  Quase todos eram turistas, Depois dos ataques, o turismo na Tunísia sofreu o seu próprio atentado, com centenas de hotéis a fechar e milhares de empregos perdidos, num súbito declínio do sector que representava 15% do PIB nacional. 




Depois dos ataques, governos ocidentais impuseram restrições a viagens à Tunísia, que em alguns países não foram ainda levantadas. No Reino Unido, um dos países que enviava mais turistas para os resorts tunisinos, o governo ainda avisa "contra todas as viagens não essenciais". As medidas são vistas pelos tunisinos como injustas e demasiado duras quando comparadas com a resposta aos ataques em Paris e Bruxelas, como se fosse um castigo por a Tunísia ser um país muçulmano. Um castigo que garante aos extremistas o sucesso dos seus ataques: isolamento, desemprego, precariedade e divisão, semeados para do desespero poder recrutar mais jovens. Sobrerrepresentada nas fileiras do Daesh, a Tunísia é um dos países que produz o maior número de jihadistas, com cerca de seis mil jovens tunisinos a combater na Síria e no Iraque. 



No mapa do governo britânico a Tunísia está pintada de vermelho e laranja, cores que indicam o maior nível de perigo e ameaça. A Tunísia que vi tem outras cores: portas azúis e paredes brancas, o verde resplandecente das palmeiras, os raios dourados do sol de Inverno, as cores das romãs nos mercados, dos ramos de laranjeira, das pétalas de buganvília e os camelos cor de mel. Explosões, só de cor nos azulejos das velhas medinas ou nos tapetes bordados à mão.




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