domingo, 29 de maio de 2016

Em Basmane, Izmir

Cheguei a Izmir em Maio, dois meses depois do acordo entre a União Europeia e a Turquia ter fechado a rota do Egeu aos refugiados que tentavam entrar na Europa.

Izmir, um importante porto do mar Egeu, foi um dos principais pontos de travessia da Turquia para a Europa. Só no ano passado, cerca de 850 mil pessoas atravessaram o Egeu a partir da costa turca. A grande maioria passou por Izmir, um dos principais centros de negócio de tráfico de migrantes para as ilhas gregas, agora estagnado com o fechar das fronteiras e as ameaças de deportação.


Quando cheguei, já eram escassos os coletes salva-vidas que se antes se vendiam demasiado baratos em Basmane, o distrito onde se centrava o tráfico pelas águas entre a Turquia e a Grécia. Encontrei uma Basmane com restaurantes e barbeiro sírios, com anúncios em árabe. Uma Basmane que cresce em bairro de lata, com os seus becos, ruas estreitas e íngremes, com edifícios decrépitos e gatos escanzelados, onde famílias sírias se debatem para pagar a renda dos quartos que alugam em moradias precárias. 

Com a organização de voluntários Revi  fui conhecendo as famílias sírias que escolheram ficar em Izmir, e os seus incríveis esforços para recomeçar vidas estilhaçadas por uma guerra demasiado longa e devastadora. Recebida com uma hospitalidade enternecedora, sempre com chávenas de chá doce ou café com cardamomo, fui ouvindo histórias de perda, de deslocamento, da catástrofe da guerra.


Alguns mostraram-me fotografias das suas casas em ruínas nos subúrbios de Alepo, outros fotografias dos irmãos desaparecidos, de familiares espalhados pelo mundo, e dos falecidos. Outros falaram-me dos estudos por acabar, dos empregos deixados para trás, de infâncias perdidas. 

Aos doze anos, meninos sírios trabalham doze horas por dia, seis dias por semana, carregando a responsabilidade de sustentar as famílias. Na Turquia há cerca de três milhões de refugiados sírios, e quase metade são crianças. Alguns foram colocados em campos de refugiados, mas a esmagadora maioria vive em cidades, onde são demasiado frequentes as situações de pobreza e exploração, já que refugiados sírios têm direitos muito limitados.


A extensão da perda é incalculável. Perde-se a infância, perde-se a família, perde-se a casa, perde-se um país inteiro, e o resto do mundo fica a ver alheado, preocupado apenas em manter a desgraça fora das suas fronteiras.

E ao contrário do que dizem os que usam o medo e o ódio para ganhar eleições ou manter privilégios, a maioria dos refugiados não quer viver de subsídios. Só quer uma vida normal como a que a que muitos têm como garantida. Uma vida com o direito a trabalhar e a estudar, com uma casa segura onde criar uma família. Uma vida em que meninos de doze anos possam ser só meninos de doze anos. 

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