Para chegar ao Kosovo do sul da Sérvia tive que apanhar quatro autocarros e dois táxis. Gastei quase dez horas, sentada em autocarros abafados e rodoviárias poeirentas, para percorrer pouco mais de 300 km.
Parecia simples, ir de Guča, a pequena aldeia sérvia que em Agosto entra em festa com o famoso festival de trompetes, para Pristina, no Kosovo, que no mapa parece tão perto. Mas nada nos Balcãs é assim tão simples, e cidades que no mapa parecem próximas podem estar radicalmente distantes, como acontece entre a Sérvia e o Kosovo.
Festival Guča |
De Guča, onde passei alguns dias cacofónicos (e incrivelmente divertidos), a ouvir Goran Bregovic e a ser regada com cerveja e rakija, apanhei um autocarro para Čačak, e de lá para Kraljevo, onde deveria ser fácil encontrar um transporte para o Kosovo. Mas na estação de autocarros disseram-me que não havia nenhum transporte directo da Sérvia para Pristina, e que teria que apanhar um autocarro para Mitrovica, cidade dividida entre uma parte sérvia no norte, e uma parte albanesa/kosovar no sul.
Em 2004, a violência entre a comunidade sérvia e a comunidade albanesa reacendeu no Kosovo, e Mitrovica foi um dos principais palcos dos conflitos. Apesar de grande parte da cidade ter sido reconstruída, ainda tive a sensação de estar a entrar num campo de batalha, com tanques a patrulhar as ruas e bandeiras a cada 10 metros a separar os limites da cidade: o norte com bandeiras sérvias, e o sul com bandeiras albanesas.
Quando cheguei à estação sérvia de Mitrovica tive que negociar com os taxistas a viagem de 10 minutos para o lado albanês, para poder apanhar um autocarro na estação albanesa para Pristina. O taxista que me levou argumentou que era perigoso entrar com uma matricula sérvia na parte sul, o vidro do táxi estava partido. Mas lá aceitou levar-me, sempre com o pé no acelerador.
Cheguei a Pristina ao final da tarde. O dia que tinha começado com um autocarro apanhado às 9 da manhã na Sérvia já estava no fim, e os hostels da cidade estavam todos cheios. Foi a simpatia de estranhos que me salvou, desta vez porque num dos hostels me deixaram ficar a dormir no sofá sem pagar nada.
Pristina |
No meu primeiro almoço em Pristina comi falafel e pão pita, num jardim onde pétalas de flores caídas das árvores iam preenchendo a mesa, o meu colo, o prato. O empregado perguntou-me de onde eu vinha, e pôs a tocar um álbum de Mariza antes de trazer a refeição. Flores, Mariza e falafel: Pristina é uma cidade inusitada.
"De onde vens", é a primeira pergunta que todos fazem, mesmo que me tenha dirigido a alguém só para pedir direcções ou para perguntar onde são os correios. “De onde vens?”, pergunta-me um homem que me vê a caminhar na rua de mochila às costas. Parece satisfeito quando ouve Portugal. “É um bom país”, diz-me, “reconhece-nos”, ao contrário da vizinha Espanha.
Chamava-se Skender, era engenheiro electrotécnico e vinha de uma aldeia perto de Peja, cidade próxima da fronteira com o Montenegro. A declaração de independência do Kosovo, em 2008, foi reconhecida por mais de 100 países, mas a Sérvia, e países como a Espanha, a Rússia e a Grécia ainda não a aceitam, vendo o Kosovo como parte da Sérvia.
Chamava-se Skender, era engenheiro electrotécnico e vinha de uma aldeia perto de Peja, cidade próxima da fronteira com o Montenegro. A declaração de independência do Kosovo, em 2008, foi reconhecida por mais de 100 países, mas a Sérvia, e países como a Espanha, a Rússia e a Grécia ainda não a aceitam, vendo o Kosovo como parte da Sérvia.
Falei ao Skender das minhas viagens, e ele ouviu com curiosidade, mas mostrou pouco interesse em viajar. É no Kosovo que quer estar, e dos outros países só espera o reconhecimento. "Espero que um dia todos reconheçam o Kosovo como um país independente", disse-me antes de nos despedirmos. Para ele seria melhor do que conhecer todos os outros países do mundo.
Entrada de uma igreja e ao fundo mesquita em Prizren, no sul do Kosovo |
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