sábado, 15 de agosto de 2015

Budapeste Judaica

Na minha última entrada falo sobre como os estranhos nos podem surpreender com actos de bondade desinteressada. Mas em Budapeste também me deparei com a crueldade. A absoluta crueldade que se pode dirigir a desconhecidos, sem nome ou rosto, só porque pertencem à religião ou etnia errada.

O turista que passeia pelas margens do Danúbio junto ao Parlamento Húngaro depara-se com um memorial das vítimas do partido húngaro nazi. Em 1944, cerca de 15 mil pessoas foram mortas, quase todos por serem judeus. Muitas eram alinhadas junto ao rio, obrigadas a tirar os sapatos, e mortas. O Danúbio levava os corpos.




Naquela altura o Danúbio não era azul, mas vermelho. Vermelho com o sangue dos judeus”, escreveu Eva Bentley, sobrevivente húngara do Holocausto. Can Togay e Gyula Pauer criaram o memorial em 2005: 60 sapatos espalhados pelas margens do rio, como se tivessem sido acabados de tirar. Com os meus, 61. 



Registos da presença judaica na Hungria remontam ao século IX, acompanhados também por uma longa história de anti-semitismo. Durante a peste negra os judeus foram expulsos do país, eram frequentes os libelos de sangue e as expulsões. No início do século XX a comunidade judaica na Hungria era uma das maiores da Europa, e estava relativamente bem integrada. Os judeus ocupavam posições de prestígio na ciência, arte e comércio, e em Budapeste constituíam cerca de 20% da população.

Nos anos 20, leis anti-semitas começaram a ser aprovadas, e a posição dos judeus húngaros foi piorando com o alinhamento da Hungria à Alemanha nazi. Leis anti-semitas semelhantes às nazis foram aprovadas, e em 1941 começaram a ser deportados judeus sem nacionalidade. Em 1944 inicia-se a deportação massiva de judeus húngaros para campos de concentração. No Holocausto houve cerca de 500 mil vítimas húngaras, número que só é ultrapassado pelas vítimas polacas e russas.

A comunidade judaica em Budapeste ainda é uma das maiores da Europa, mas o anti-semitismo ainda é uma realidade. Recentemente, na Hungria, tem-se assistido a um ressurgimento de ondas anti-semitas. Em 2013, um relatório publicado pela Agência Europeia para os Direitos Fundamentais (FRA) revelou que 90% dos judeus húngaros inquiridos sente que o anti-semitismo é um problema na Hungria, e que 43% viu outros judeus a serem insultados ou agredidos. O partido húngaro de extrema-direita, Jobbik, conhecido pelas declarações racistas e anti-semitas, foi o terceiro mais votado nas eleições do ano passado.

Li as memórias de Imre Kertész, sobrevivente húngaro do holocausto e e prémio Nobel da literatura, com um aperto no estômago. Já sabia de tudo: os guettos, os disparos no Danúbio, Auschwitz... mas nunca se sabe realmente. Nunca entendi como tudo isso pode acontecer, como se pode guardar tanto ódio e desprezo por uma massa desconhecida, sem nome e sem rosto, da qual só se distingue a estrela amarela.

Caminhei pelas ruas de Budapeste, onde a presença judaica ainda é muito visível, sem nunca conseguir entender. 


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