quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Visitar Belém

Em Dezembro, Belém enche-se de peregrinos que vêm em grandes autocarros para visitar a igreja da Natividade, o lugar que marca o nascimento de Jesus. Param por algumas horas na cidade antiga, compram postais e souvenirs e partem, de volta a Jerusalém ou Nazaré, a seguir os caminhos de Jesus.
Natal em Belém
As poucas horas que passam em Belém são, para a maioria, o único contacto com os territórios palestinianos. Para os que vêm de transportes públicos de Jerusalém, a experiência pode incluir a paragem num checkpoint, onde é provável que, como turistas, sejam os únicos autorizados a permanecer dentro do autocarro enquanto os palestinianos se alinham para o controlo de segurança.

Em Belém, os meus guias foram meninos do campo de refugiados Aida, no norte da cidade, um campo delimitado pelo muro que separa a Cisjordânia de Israel. O muro de separação, de 8 metros de altura, construído por volta de 2000, rodeia e domina a vida no campo. Do outro lado está a única zona verde a que os residentes do campo tinham acesso, agora restrita. O muro tornou-se uma atracção turística depois de ter sido visitado por Banksy, que lá deixou alguns dos seus mais famosos graffitis

Graffiti de Banksy junto ao muro
Na Cisjordânia, há cerca de 19 campos de refugiados, criados pelas Nações Unidas para alojar os palestinianos que se tornaram refugiados em 1948 com a criação do Estado de Israel. Inicialmente erguidos com tendas e considerados temporários, os campos tornaram-se a residência permanente de milhares de pessoas. As tendas foram substituídas por edifícios precários e sobrelotados, onde a maioria dos habitantes vive abaixo da linha da pobreza e com uma elevada taxa de desemprego. No campo Aida vivem cerca de quatro mil pessoas. 

"A maioria das famílias tenta juntar dinheiro suficiente para deixar o campo e mudar-se para um apartamento em Belém", diz-me uma das coordenadoras do centro Lajee, uma associação que dá apoio às crianças e às famílias do campo. Enquanto falamos, confrontos entre jovens que atiram pedras e soldados que atiram bombas atordoadoras e gás lacrimogéneo acontecem lá fora. Ouvimos explosões, e enquanto eu estremeço com o barulho, os funcionários continuam a trabalhar sem um pestanejar. Fecham as janelas para não deixar o gás lacrimogéneo entrar e regressam ao trabalho.


Nas paredes do campo Aida
Nesse dia, os meninos do campo não tinham escola porque um colega tinha sido morto no dia anterior. Disponibilizaram-se logo a guiar-me pelo campo e a orientar-me na cidade, satisfeitos por saber que eu sou do país do Cristiano Ronaldo. Um dos meninos gostava do Messi, o outro sonhava ser como Ronaldo, e disse-me que queria casar com uma rapariga portuguesa. 

Para os rapazes que crescem sob as restrições do campo Aida, as aspirações são limitadas. Alguns sonham com bolsas de estudo no estrangeiro, outros com casamentos com raparigas europeias que lhes garantam um passaporte europeu. Querem bons empregos e segurança, querem viajar e ver o mar. Querem ver o que está para além do muro à sombra do qual vão crescendo, enclausurados com as poucas possibilidades de um futuro. 

O muro de separação
Do outro lado do muro, os israelitas subestimam esta falta de esperança. É o desespero que tem lançado os jovens palestinianos em ataques com facas contra soldados e colonos nos últimos meses. Não tem medo da morte quem tem poucas razões para viver.

"Amamos a vida sempre que podemos", diz Mahmoud Darwish, um dos mais importantes escritores palestinianos, num dos seus mais famosos poemas.

"Roubamos um fio de um bicho da seda para tecer um céu e um muro para a nossa viagem. 
Abrimos o portão do jardim para que o jasmim caminhe pelos ruas como um belo dia. 
Amamos a vida sempre que podemos. 
Onde nos instalamos crescemos plantas que florescem rapidamente. Onde nos instalamos colhemos um homem assassinado.
Amamos a vida sempre que podemos"

Mas os palestinianos estão habituados a não poder. 

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