quarta-feira, 6 de julho de 2016

Geórgia: um alfabeto de pássaros e uma revolução de flores

De um lado a costa do mar Negro, do outro montanhas verdes envoltas em nevoeiro, na estrada que liga o norte da Turquia à Geórgia. As montanhas continuam ao longo da estrada que atravessa a Geórgia até chegar a Tbilisi, a capital deste país que não fica bem na Europa nem na Ásia, mas no cruzamento este-oeste.



Apesar de ser maioritariamente cristã-ortodoxa, a cidade acolhe a diversidade étnica e religiosa, e no centro histórico a sinagoga fica ao lado da mesquita, num país que tem uma das mais antigas comunidades judaicas do mundo, e uma mesquita onde sunitas e xiitas rezam juntos. 

"Na Geórgia, não queremos saber se és sunita ou xiita, é a mesma religião. Se vens para rezar és bem-vindo, esta é uma casa de deus, uma casa para toda a gente", diz-me Rafid Radih, um professor islâmico iraquiano, a ensinar na mesquita de Tbilisi há quase 10 anos. "Queremos ter sinagogas e igrejas na vizinhança, aceitamos toda a gente". 



Rafid mostra-me a mesquita centenária com orgulho. Mostra-me um alcorão de 400 anos, e a biblioteca onde o livro islâmico foi traduzido em seis línguas diferentes. Enquanto caminhamos silenciosos, com os pés descalços a roçar os tapetes macios, um grupo de homens reza, e só a diferença nos gestos denuncia a pertença a sectos diferentes. Um livro de Kafka foi deixado num canto de um tapete, e um homem deitado descança do calor do início de verão. As portas da mesquita estão sempre abertas.

Em deambulações pela cidade, o que mais me deslumbra não é a mistura de estilos arquitectónicos, do neoclássico e art nouveau ao soviético brutalista, ou as varandas pitorescas do centro histórico, mas os sinais e cartazes com o alfabeto georgiano. Os georgianos utilizam um alfabeto único, inventado no século V, e todas as letras me parecem pássaros: cisnes, beija-flores em voo, gaivotas a bater as asas.



Descobri que, como Portugal, a Geórgia também teve uma revolução com flores, mas em vez de cravos usou rosas para derrubar um governo autoritário e corrupto. Em 2003, eleições consideradas fraudulentas reelegeram Edvard Shevardnadze como presidente, despertando protestos por todo o país.

Durante semanas, milhares participaram em protestos pacíficos para exigir a demissão do presidente, considerado ilegítimo, e novas eleições. As forças militares reunidas para controlar a multidão foram recebidas com flores e abraços, enquanto protestantes tocavam música e dançavam na principal praça de Tbilisi. No dia 22 de Novembro protestantes invadiram o parlamento com rosas. Shevardnadze anunciou a sua demissão pouco depois. 

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