terça-feira, 20 de outubro de 2015

A saudade bósnia e a jugo-nostalgia

Foi numa segunda-feira à noite, num bar que era antes um cinema, que descobri a saudade na Bósnia. Todas as segundas, o bar Kino Bosna, no centro de Sarajevo, recebe músicos que tocam Sevdah, a música tradicional da Bósnia e Herzegovina. Envolta em nuvens de fumo de cigarro, ouvi os músicos cantar melodias melancólicas que me lembraram o fado. Com guitarras e um acordeão, cantavam sobre amores perdidos, desejos frustrados… e eu ouvia surpreendida, a imaginar as mesmas músicas com guitarras portuguesas a ecoar nos becos de Lisboa.

Kino Bosna em Sarajevo
Mais tarde, descobri que as semelhanças são mais profundas. A palavra Sevdah vem do árabe sawda (bílis-negra), raiz que também deu origem à palavra saudade. Saudade-Sawda-Sevdah. Ali estava eu, num bar que tinha saudades de ser cinema, a ouvir fados à moda da Bósnia, regados com rakija e envoltos em fumo. Os músicos rodavam a sala, tocando de mesa em mesa, e dezenas de vozes juntavam-se para cantar as mesmas canções.

Na língua bósnia não existe uma palavra para saudade. A melhor tradução é nostalgija. Mas a saudade faz parte do vocabulário de cada bósnio, em especial a saudade dos tempos anteriores à guerra.

Conheci Sanja, uma professora de inglês, num café no centro de Sarajevo. Simpática e faladora, Sanja mostrou-me uma fotografia do pai, segundo ela um importante general, a apertar a mão de Tito. Falou-me com orgulho do pai, da admiração por Tito, e da nostalgia dos tempos dourados da Jugoslávia.
Yugo: o carro produzido na Jugoslávia
“É pena que sejas tão nova”, disse-me Sanja. “Se pudesses viver em Sarajevo um só dia nos tempos antes da guerra…”, suspirou. “Era maravilhoso. Tínhamos um grande país”.

Que tudo era melhor antes da queda da Jugoslávia é algo que já tinha ouvido antes várias vezes, mas nunca dito com tanta sinceridade e emoção. A Jugo-nostalgia é um fenómeno recorrente nos países da antiga Jugoslávia. Mas para os bósnios, os que mais sofreram com o desmantelamento da Jugoslávia que levou o país a uma longa e violenta guerra, a jugo-nostalgia vem misturada com os sentimentos de perda e melancolia da saudade.

“Tudo era melhor antes da guerra”, diz-me Strahinja, estudante de Ciência Política, apesar de ser demasiado novo para se lembrar de como era. “A cultura, a economia… tudo piorou depois da guerra”. Strahinja prefere a música e os filmes da antiga Jugoslávia. Mesmo entre os que já nasceram numa Bósnia dividida pela guerra, permanece a nostalgia de um país próspero, multicultural e pacífico, a Jugoslávia de Tito.

Josip Broz Tito, líder da resistência anti-fascista dos Partisans, assumiu o poder da federação jugoslava no final da Segunda Guerra Mundial. Tito governou sobre o lema “irmandade e unidade”, suprimindo os movimentos nacionalistas para manter unida uma Jugoslávia multiétnica e multirreligiosa. Foi reeleito cinco vezes, e nomeado “presidente vitalício”.  Depois da sua morte, em 1980, o crescimento dos movimentos nacionalistas levou à luta pela independência das repúblicas e à dissolução da Jugoslávia.

Yu-café; retratos de Tito
Em Sarajevo, um bar foi dedicado a Tito, e no Yu-café, a jugo-nostalgia enche as paredes de retratos do presidente e bandeiras da Jugoslávia. Também há o hostel Tito, e a avenida Marshal Tito ainda é uma das mais movimentadas da cidade. 

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