Conheci o Abdellah em Fez, essa
magnífica cidade-labirinto, onde me perdi pelas ruas estreitas que iam dar a
fontes, mesquitas, curtumes. Passámos juntos um dia incrível, entre a
pequena cidade de Sefrou, a 30
km de Fez, e Bhalil, uma aldeia pitoresca com casas
escavadas nas rochas. Ao fim da tarde voltámos a Fez, para ver o pôr-do-sol das
ruínas dos Túmulos Merínidas, a norte da cidade.
Pôr do sol em Fez |
Através do seu cargo como
vice-presidente de uma associação de trabalho voluntário muito focada na
educação, sempre pôde estar muito ligado a projectos com crianças. Interessa-se
sobretudo pela educação sexual em Marrocos, “como um país árabe e um país
islâmico”, diz. A educação sexual, que é um tabu na sociedade marroquina, foi
algo que procurou introduzir.
Como professor e psicólogo
lembra-se de dois casos que o marcaram particularmente: o de uma rapariga
inteligente e estudiosa, filha de uma mãe solteira, que marcada pelo estigma de
ser “fruto de uma relação ilegal”, deixou a escola durante o ensino secundário
por não aguentar a pressão imposta pelos colegas. Relações sexuais fora do
casamento são ilegais de acordo com a lei marroquina. O artigo 490 do código
penal marroquino prevê penas de prisão para quem não cumprir esta lei, e os
filhos que nascem de “relações ilegais” carregam para sempre um pesado estigma.
Além disso, por vezes a lei marroquina favorece
a impunidade de violadores. Vítimas de violação podem ser obrigadas a casar com
os agressores para “preservar a honra da família”, como aconteceu com Amina Filali, que preferiu suicidar-se a ter que viver como esposa do violador.
Mas para o Abdellah o caso mais marcante
que acompanhou foi talvez o de uma adolescente que “andava na escola e tinha
uma vida feliz, normal”, mas quando engravidou do namorado “o pesadelo começou”,
conta. O namorado desapareceu, a família expulsou-a de casa e os amigos
afastaram-se porque era uma rapariga socialmente condenada, que tinha caído em
desgraça e perdido toda a honra, que é tão cara à sociedade marroquina. Acabou
numa outra cidade, a prostituir-se para poder tomar conta do filho.
O Abdellah conta-me que é algo
que acontece frequentemente. Muitas mulheres solteiras que engravidam e que são
expulsas pela família, vendo-se sem apoio, acabam em redes de prostituição,
porque são vistas como “mulheres perdidas”. As mães solteiras carregam um
pesado estigma, muitas não conseguem sequer enfrentar os familiares com o
fardo de um filho fora do casamento, que traria uma vergonha insuportável à família.
Em troca de abrigo, comida, e de cuidados do bebé que vai nascer, vêem-se
obrigadas a entrar na prostituição para pagar a protecção que lhes oferecem nos
bordéis. Sem o apoio da família ou do governo, que “envergonham”, muitas não têm
outra alternativa.
A Lei da Família aprovada em 2004
pelo governo marroquino, conhecida como Mudawana, deu às mulheres mais direitos
do que a maioria dos estados árabes vizinhos, mas as mães solteiras continuaram a
ser marginalizadas, mesmo quando a gravidez é resultado de uma violação. Os
filhos nascidos fora do casamento não são reconhecidos, e as mães solteiras continuam
excluídas da segurança social.
“Nada tem sido feito, só em
algumas cidades há abrigos” para as mães solteiras, diz-me Abdellah. “Temos
que mudar a maneira como vemos” estas mulheres, e “mudar a lei”. Mas “ o mais importante a ser feito é apostar na educação sexual”,
ultrapassar os tabus e os estigmas sociais para melhorar a condição das
mulheres.