sexta-feira, 5 de junho de 2015

Marrocos: o estigma das mães solteiras

Conheci o Abdellah em Fez, essa magnífica cidade-labirinto, onde me perdi pelas ruas estreitas que iam dar a fontes, mesquitas, curtumes. Passámos juntos um dia incrível, entre a pequena cidade de Sefrou, a 30 km de Fez, e Bhalil, uma aldeia pitoresca com casas escavadas nas rochas. Ao fim da tarde voltámos a Fez, para ver o pôr-do-sol das ruínas dos Túmulos Merínidas, a norte da cidade.

Pôr do sol em Fez
Primeiro foi a simpatia do Abdellah que me cativou, depois o seu trabalho como psicólogo. A acabar o mestrado de psicologia, o Abdellah trabalha com mães solteiras e crianças abandonadas, e dedica-se à educação sexual. Contou-me que trabalhou como psicólogo em várias associações que acolhiam crianças de rua, a maioria abandonada por mães solteiras. Limitava-se a ouvir as crianças, a dar a oportunidade que falassem “sem dar nenhum conselho ou dizer o que deviam fazer”, conta.

Através do seu cargo como vice-presidente de uma associação de trabalho voluntário muito focada na educação, sempre pôde estar muito ligado a projectos com crianças. Interessa-se sobretudo pela educação sexual em Marrocos, “como um país árabe e um país islâmico”, diz. A educação sexual, que é um tabu na sociedade marroquina, foi algo que procurou introduzir.


Como professor e psicólogo lembra-se de dois casos que o marcaram particularmente: o de uma rapariga inteligente e estudiosa, filha de uma mãe solteira, que marcada pelo estigma de ser “fruto de uma relação ilegal”, deixou a escola durante o ensino secundário por não aguentar a pressão imposta pelos colegas. Relações sexuais fora do casamento são ilegais de acordo com a lei marroquina. O artigo 490 do código penal marroquino prevê penas de prisão para quem não cumprir esta lei, e os filhos que nascem de “relações ilegais” carregam para sempre um pesado estigma.

Além disso, por vezes a lei marroquina favorece a impunidade de violadores. Vítimas de violação podem ser obrigadas a casar com os agressores para “preservar a honra da família”, como aconteceu com Amina Filalique preferiu suicidar-se a ter que viver como esposa do violador.

Mas para o Abdellah o caso mais marcante que acompanhou foi talvez o de uma adolescente que “andava na escola e tinha uma vida feliz, normal”, mas quando engravidou do namorado “o pesadelo começou”, conta. O namorado desapareceu, a família expulsou-a de casa e os amigos afastaram-se porque era uma rapariga socialmente condenada, que tinha caído em desgraça e perdido toda a honra, que é tão cara à sociedade marroquina. Acabou numa outra cidade, a prostituir-se para poder tomar conta do filho.

O Abdellah conta-me que é algo que acontece frequentemente. Muitas mulheres solteiras que engravidam e que são expulsas pela família, vendo-se sem apoio, acabam em redes de prostituição, porque são vistas como “mulheres perdidas”. As mães solteiras carregam um pesado estigma, muitas não conseguem sequer enfrentar os familiares com o fardo de um filho fora do casamento, que traria uma vergonha insuportável à família. Em troca de abrigo, comida, e de cuidados do bebé que vai nascer, vêem-se obrigadas a entrar na prostituição para pagar a protecção que lhes oferecem nos bordéis. Sem o apoio da família ou do governo, que “envergonham”, muitas não têm outra alternativa.

A Lei da Família aprovada em 2004 pelo governo marroquino, conhecida como Mudawana, deu às mulheres mais direitos do que a maioria dos estados árabes vizinhos, mas as mães solteiras continuaram a ser marginalizadas, mesmo quando a gravidez é resultado de uma violação. Os filhos nascidos fora do casamento não são reconhecidos, e as mães solteiras continuam excluídas da segurança social.

“Nada tem sido feito, só em algumas cidades há abrigos” para as mães solteiras, diz-me Abdellah. “Temos que mudar a maneira como vemos” estas mulheres, e “mudar a lei”. Mas “ o mais importante a ser feito é apostar na educação sexual”, ultrapassar os tabus e os estigmas sociais para melhorar a condição das mulheres.