domingo, 21 de agosto de 2016

De passagem por Calais

A pequena cidade de Calais, no norte de França, tornou-se num porto de miséria desde o verão passado, quando a crise de refugiados começou a chegar à Europa. 

No norte de Calais, um dos principais pontos de acesso ao Reino Unido, improvisou-se um campo de refugiados, onde milhares de pessoas esperam, presas por quilómetros de cercas cobertas de arame farpado, por uma oportunidade para atravessar os cerca de 50 quilómetros que separam o porto francês da Inglaterra. 

As cercas e o arame farpado que rodeiam o campo custaram 15 milhões de euros ao governo britânico, enquanto cabe à polícia francesa vigiar as fronteiras e estradas.


Uma enorme força policial patrulha o desespero de milhares de pessoas com indiferença ou crueldade. Estão lá para se certificar que as estradas vedadas para o Reino Unido são só para os que têm o passaporte certo. E enquanto eu atravessei facilmente essas estradas, de passagem pelo norte de França, milhares enfrentam a polícia e o arame farpado, tentam entrar em camiões de mercadorias ou comboios arriscando a vida para atravessar o Eurotúnel até Inglaterra. 

Milhares de pessoas chegam a Calais depois de enfrentarem dificuldades inimagináveis, com esperança de conseguirem pedir asilo no Reino Unido, fugidos de países devastados pela guerra. Esperam por uma oportunidade na "selva" de Calais, como os moradores chamam ao acampamento improvisado no norte da cidade. 


Calais é pobreza, desespero, pó. Mas é também uma enorme energia e hospitalidade, momentos simples de alegria, e o engenho e a criatividade para construir casas, igrejas, mesquitas e lojas no meio da “selva" com o pouco que está disponível. Descobri surpreendida que o campo tinha vários cafés, restaurantes, uma impressionante igreja etíope e até uma biblioteca. 


Igreja ortodoxa etíope
No meu primeiro dia no campo senti um clima tenso, pairava a preocupação porque as autoridades de Calais levaram alguns dos refugiados a tribunal para fechar e destruir as lojas e restaurantes improvisados, criados para responder às necessidades de alimentar os milhares de residentes no campo. Foi com alívio e alegria que soubemos da decisão do tribunal francês de rejeitar os pedidos de demolição, e manter as lojas que servem refeições, bebidas e abrigo aos residentes. 

Organizações humanitárias como a Help Refugees estimam que cerca de 9 mil pessoas vivem no campo, a maioria do Sudão, Afeganistão, Síria e Iraque. As lojas, que para a presidente da câmara de Calais deviam ser demolidas por representarem "economias paralelas que não pagam impostos", são fundamentais para alimentar os números crescentes de moradores no campo, e dar abrigo e refeições aos que necessitam. As lojas e restaurantes que os engenhosos moradores abriram vendem refeições, chá, produtos de higiene, e são importantes espaços de convívio.

"Não somos perigosos, estamos em perigo", diz um dos muitos cartazes feitos pelos moradores e espalhados pelo campo. "Ser negro não é um crime", diz outro. Ser de um país em conflito também não.