quinta-feira, 14 de abril de 2016

Semear cravos na Terra Santa

Um dia, quando voltava para casa cabisbaixa, depois de passar horas a ler sobre demolições de casas, apropriação de terras, e ataques com facas (em suma, um dia normal na Cisjordânia), vi um cravo vermelho no chão. Um cravo vermelho solitário, na calçada de cimento das ruas de Ramallah.

Já tinha visto cravos à venda nos mercados de Israel, mas nunca esperei encontrar um cravo vermelho, igual aos cravos de Abril, abandonado na calçada, entre beatas de cigarro.


Um cravo vermelho em Ramallah
Esse cravo deu-me esperança, e uma missão: plantar cravos pela Palestina e Israel, fazer da jardinagem a minha guerrilha pacífica.

Quando falo a estrangeiros de Portugal, falo sempre com orgulho do 25 de Abril, das armas com cravos vermelhos, especialmente aqui, onde as armas são uma presença constante. Armas de puro aço, sem qualquer pétala, qualquer traço de delicadeza. Armas a controlar o movimento dos checkpoints, armas que se sentam ao meu lado no comboio. Armas que ameaçam estar prontas a disparar, armas que apontam para pedestres no coração da cidade.

Tento explicar aos meus amigos palestinianos e israelitas o significado de um cravo vermelho, na história de um país que viveu décadas de ditadura. Tento explicar como esse cravo vermelho, cravado em metralhadoras ou lapelas militares, passou a simbolizar liberdade, democracia, e uma revolução pacífica.
Uma granada de atordoamento transformada em jarra
Tento insistir na necessidade de uma revolução pacífica, aqui, onde jovens com facas de cozinha têm morrido às centenas nos últimos meses, em nome da “liberdade para a Palestina”.  Aqui, onde adolescentes são “neutralizados” ou “martirizados”, conforme a narrativa. "A pátria não vale nem uma criança", disse um pai palestiniano em luto. Para uns, o pai de um terrorista, para outros o pai de um herói.

Encurralada no meio das duas narrativas, dividida entre dois mundos aparentemente irreconciliáveis, onde a “independência” de uns é a "catástrofe" de outros, eu decidi plantar cravos.

O que começou com a meia dúzia de sementes que colhi do cravo que encontrei na rua, desenvolveu-se num projecto de centenas de sementes espalhadas por várias cidades diferentes. graças à ajuda de amigos, e de outros portadores de sementes, como o homem palestiniano que preparava o seu jardim para  a Primavera, e que recebeu com um sorriso a minha mão cheia de sementes; ou a menina etíope cheia de curiosidade, que primeiro tentou comer as minhas sementes, mas depois me ajudou a espalhá-las.



Amigos palestinianos, israelitas, e todos os outros: se virem cravos a crescer na Terra Santa, guardem as sementes e espalhem-nas.  O mundo precisa de mais cravos vermelhos.