quinta-feira, 30 de julho de 2015

Budapeste: sobre a bondade de estranhos

A minha mãe nunca me disse para não falar com estranhos, mas sempre que viajo ela preocupa-se, porque viajo sozinha e porque o mundo parece um lugar perigoso. Desde que comecei a viajar que recebo avisos, dizem-me para ter cuidado, para desconfiar sempre. E no entanto, ao contrário do que as notícias transmitem e dos avisos que recebo, tenho sido sempre surpreendida pela bondade de estranhos, pela simpatia genuína que tenho encontrado um pouco por todos os lugares por onde passei.

Na Irlanda, a simpatia de todos os condutores que me deram boleia, e que às vezes fizeram desvios para me deixar no meu destino. Em especial um casal que conheci no centro da Irlanda, em Cloughjordan, e que me convidou para entrar em casa e me ofereceu bolo e chá. Continuei a encontra-los na minha estadia em Cloughjordan, e no dia em que tive que partir ofereceram-me uma caneta porque sabiam que gostava de escrever. Fiquei enternecida com o presente cuidadosamente embrulhado, sem saber o que dizer ao casal que sem hesitação abriu a sua casa a uma completa estranha.

Na Holanda, foi o homem que gastou a sua hora de almoço a guiar-me pelo centro de Haia, quando me viu acabada de chegar à cidade e perdida. Levou-me aos principais pontos da cidade, e ainda se ofereceu para guardar as minhas coisas no seu escritório. No Brasil, o camionista que me deu boleia de Porto Alegre até à fronteira no Uruguai, e que encheu a viagem de quase 7 horas de histórias que ia contando com boa-disposição e entusiasmo. Em Marrocos, a mulher que conheci num táxi colectivo em direcção para Assilah. Guiou-me com orgulho pelas ruas tortuosas da sua cidade, convidou-me para entrar em sua casa e ofereceu-me tâmaras e chá. Alguns dos nomes eu já esqueci, mas os rostos estão gravados no que é, para mim, um retrato colectivo da bondade de estranhos. 

Na Hungria continuei a surpreender-me. Marc, um filipino que vive em Budapeste há quase 8 anos, viu um anúncio que deixei na internet à procura de uma bicicleta para os dias que me restavam na cidade. Enviou-me uma mensagem a dizer que me emprestava a dele, porque estava parada e eu ia com certeza dar-lhe melhor uso. Quando combinámos encontrar-nos num café, confesso que ia desconfiada, não sabia o que esperar, qual seria a contrapartida. Mas eis que aparece Marc, sorridente, numa bicicleta peugeot azul, linda. Aparece ofegante e a transpirar, porque teve que pedalar do sul da cidade até aquele café no calor do Verão de Budapeste, que naquela tarde chegava aos 35 graus. Disse-me que podia ficar com ela até quando quisesse, não me pediu contactos, nem sequer que especificasse o dia em que ia embora, bastava que deixasse a bicicleta no café que era de um amigo quando já não precisasse dela.

Obrigada, Marc!
E assim sai do café perplexa, a pedalar pelas belas ruas de Budapeste. Os meus dias ficaram muito mais ricos com os passeios junto ao Danúbio, e com a certeza de que o mundo não é um lugar assim tão hostil e perigoso, e que há sempre agradáveis surpresas.